Língua Portuguesa
Aula de Leitura
Livro:
Minhas férias, pula uma
linha, parágrafo.
(Christiane Gribel)
Um
O primeiro dia de aula é o dia que eu
mais gosto em segundo lugar. O que eu mais gosto em primeiro é o último, porque
no dia seguinte chegam as férias.
Os dois são os melhores dias na escola porque
a gente nem tem aula. No primeiro dia não dá para ter aula porque o nosso corpo
está na escola, mas a nossa cabeça ainda está de férias. E no último, também
não dá para ter aula porque o nosso corpo está na escola, mas a nossa cabeça já
está nas férias.
Era o primeiro dia e era para ser a aula de
português mas não era porque todo mundo estava contando das férias. E como todo
mundo queria contar mais do que ouvir, o barulho na classe estava mesmo
ensurdecedor. O que explica o fato de ninguém ter escutado a professora
gritando para a gente parar de gritar. Todo mundo estava bem surdo mesmo. Mas
quando ela bateu com os livros em cima da mesa a nossa surdez passou e todo
mundo olhou para ela.
Ela estava em pé, na frente do quadro-negro e
ficou em silêncio, com uma cara bem brava, olhando para a gente.
Quando um professor está em silêncio com uma
cara bem brava olhando para você, é melhor também ficar em silêncio com uma
cara de sem graça olhando para um ponto qualquer que não seja a cara brava do
professor.
A professora puxou a cadeira dela e se
sentou.
Atrás dela, no quadro-negro, eu vi decretado
o fim das nossas férias e o fim do nosso primeiro dia de aula sem aula. Estava
escrito:
Redação: escrever trinta linhas sobre as
férias.
Eu sabia que as férias de ninguém iam ser
mais as mesmas na hora que virassem redação. É simples: férias é legal, redação
é chato. Quando a gente transforma as nossas férias numa redação, elas não são
mais as nossas férias, são a nossa redação. Perdem toda a graça.
Todo mundo tirou o caderno de dentro da
mochila. Menos eu.
Eu fiquei olhando para aquela frase no quadro
enquanto os zíperes e velcros das mochilas eram os únicos barulhos na sala. De
repente as nossas férias ficaram silenciosas. Onde já se viu férias sem
barulho?
Além do mais, eu tenho certeza de que a
professora nem quer saber de verdade como foram as nossas férias. Ela quer só
saber como é a nossa letra e se a gente tem jeito para escrever redação.
Aqueles dois meses inteirinhos de despreocupações estavam prestes a virar
trinta linhas de preocupações com acentos, vírgulas, parágrafos e ainda por
cima com a letra ilegível depois de tanto tempo sem treino.
Dois
A turma inteira já estava escrevendo quando
eu percebi que a professora estava só olhando para mim.
Quando um professor fica parado só olhando
para você é porque você tinha estar fazendo outra coisa que não era o que você
estava fazendo.
A outra coisa que eu tinha que estar fazendo
era minha redação. Então eu puxei a minha mochila e peguei o caderno. É claro
que minha mochila tem o fecho de velcro e que todo mundo olhou para mim quando
eu abri. Só a professora que não olhou de novo porque ela já estava olhando
antes mesmo.
Peguei a caneta. Eu nem sabia mais segurar
direito a caneta. Escrevi:
Minhas Férias
Mas a letra ficou péssima e eu resolvi
arrancar a folha para começar bem o meu caderno. E todo mundo olhou de novo
para mim, até a professora que já tinha parado de me olhar.
Troquei a caneta por um lápis, porque se a
letra ficasse horrível era só apagar em vez de ter que arrancar outra folha.
Coloquei as minhas férias lá no alto e bem no
meio da página. Pulei uma linha. Parágrafo.
Minhas férias
Outro problema de transformar as nossas
férias em redação é fazer os dois meses caberem nas tais trinta linhas. Porque
se a gente fosse contar mesmo tudo o que aconteceu, as trinta linhas iam servir
só para um dia de férias e olhe lá.
E aí você olha para o seu relógio e descobre
que as trinta linhas, que pareciam poucas para contar todas as suas férias,
viram muitas porque você só tem mais 15 minutos de aula para fazer a redação.
Começar as férias é a coisa mais fácil do
mundo. Em compensação, começar redação sobre as férias é tão difícil quanto
começar as aulas.
Fiquei me lembrando como é que eu tinha
começado as minhas férias de verdade. Assim eu podia começar a redação do mesmo
jeito. Mas eu comecei as minhas férias de verdade arrumando a mala para ir para
a casa do meu avô. E agora só faltavam 12 minutos para terminar a aula. Em 12
minutos eu não ia conseguir arrumar a mala. Pelo menos não do jeito que a minha
mãe gosta que eu arrume. Então decidi começar as férias de minha redação direto
da casa do meu avô.
Minhas férias
Eu sempre adoro as
minhas férias na casa do meu avô. Principalmente porque não tem aula.
Não. Talvez seja um começo de redação muito
pesado para o começo das aulas.
Minhas férias
Eu sempre adoro as
minhas férias na casa do meu avô.
Lá tem um campinho de
futebol bem legal e uma turma de amigos bem grande.
Isso é perfeito porque
um campinho sem uma turma grande não serve para nada. E uma turma grande sem
campinho não cabe em lugar nenhum que não seja um campinho. A gente passa o dia
todo jogando futebol e só para de jogar quando já está escuro e não dá mais
para ver a bola. Então já é hora de jantar.
Depois do jantar, os
meus melhores amigos da turma vão para a casa do meu avô e a gente pode
continuar jogando, só que futebol de botão que não dá indigestão. Aí, a gente
pode jogar até tarde porque no dia seguinte não tem aula. É por isso que férias
é bom.
Achei que desse jeito a minha observação a
respeito das aulas ficava mais sutil. Continuei.
Teve um dia que eu fiz
um golaço. Não no futebol de botão, no de verdade.
O gol veio de um pase
de craque do Paulinho que é o meu melhor amigo entre os meus melhores amigos da
turma. Você sabe que para jogar futebol não adianta só ser bom de bola. Tem que
ter tatica.
O Paulinho driblou um,
dois e eu vi que ele ia passar pelo terceiro. Ele também me viu. Aí eu me
enfiei pela esquerad e recebi a bola. Chutei direto. Eu fiz um golaço tão
grande que furou a rede e estilhaçou em mil pedaços a janela do vizinho.
Deu a maior confusão
porque enquanto a turma pulava o vizinho apareceu bravo com abola em baixo do
braço e a mulher dele veio atrás. Eu tive até que parar com a minha
comemorassão. Mas a mulher do vizinho que veio atrás dele falou para ele que
criança é assim mesmo e que a gente estava só se divertindo e que ninguém fez
aquilo de propósito. E era verdade mesmo porque a culpa nossa da rede ter
furado. E aí acabou ficando tudo bem. O meu vizinho devolveu a bola, verificou
a rede e disse que o meu gol foi mesmo um golaço mas que era para a gente tomar
mais cuidado com as janelas da casa do lado.
O sinal tocou bem nessa hora. Eu nem contei
quantas linhas eu tinha escrito porque não ia dar tempo de mudar nada mesmo.
Arranquei a folha e dei as minhas férias para
a professora.
Três
Depois da aula de português vinha aula dupla
de educação física. A maior sorte que se pode ter num primeiro dia de aula é
ter aula dupla de educação física. Dá até para ficar contente de ter voltado
para a escola. E dá até para acreditar quando a nossa mãe fala que essa é a
melhor época de nossa vida, quando ela faz aquele discurso que toda mãe faz.
Discurso:
“Aproveita, meu filho. Essa é a melhor
época da sua vida. Ir para a escola é uma delícia. Quando você crescer vai se
lembrar da escola e sentir uma saudade danada.”
Minha mãe diz que é para aproveitar a escola
porque depois que a gente cresce a gente fica cheio de problemas para resolver.
Aí é que está. Eu ainda nem cresci e já estou cheio de problemas. Só no ano
passado eu tive quer resolver 187. E não foi nem para mim. Foi para o professor
de matemática.
Quatro
A semana passou bem rápido e quando a gente
viu já era sexta-feira. Ter chegado a sexta-feira era ótimo. Agora só faltavam
mais dezenove semanas para as próximas férias. A única coisa ruim é que na
sexta eu tinha aula dupla de português e a professora ia trazer as nossas
redações de volta.
Quando a professora entrou na sala eu tinha
acabado de puxar o elástico do sutiã da Mariana Guedes. Agora a moda das
meninas era usar sutiã por baixo da camiseta. E a nossa moda era puxar o
elástico para o sutiã estalar bem nas costas delas. Eu corri e a Mariana Guedes
me jogou uma borracha bem na cara. Mas a professora foi olhar para a gente só
na hora que eu joguei a borracha de volta. E aquela Mariana Guedes ainda
abaixou e a borracha passou bem perto dos óculos da professora.
A professora ficou me olhando de novo, igual
no dia da redação, e então eu me sentei esperando uma daquelas broncas
humilhantes no meio da classe. Mas a professora não falou nada.
Quando você apronta uma dessas e o professor
não fala nada, não é porque o professor é um cara bem legal. É que o que vem
pela frente é pior do que o pior que você imaginava.
O pior foi colocado bem em cima da minha
mesa. As minhas férias, que tinham sido perfeitas para mim, não chegaram nem
perto de terem sido boas para a professora. Elas voltaram cheias de defeitos.
Faltou um esse no passe de craque do Paulinho, um acento na minha tática e a
minha comemoração eu escrevi com tanta empolgação que acabou saindo com dois
esses em vez de cê-cedilha.
E o pior do que eu imaginava foi o que ela
fez com o meu golaço que estilhaçou em mil pedaços a janela do vizinho. Ela
disse que “em mil pedaços” é um adjunto adverbial e que tinha que ficar entre
vírgulas.
Eu olhei na Gramática e lá estava explicado
que um adjunto adverbial é um termo acessório e a gente pode eliminar aquela
parte da frase que ela continua a fazer sentido. Eu queria ver a professora
dizendo para o meu vizinho que aqueles mil pedacinhos da janela dele eram só um
adjunto adverbial.
E tem mais uma coisa: eu estava de férias.
Era muito mais importante marcar o gol do que as vírgulas, concorda?
E as minhas férias ficaram assim:
Minhas férias
Eu sempre adoro as
minhas férias na casa do meu avô.
Lá tem um campinho de
futebol bem legal e uma turma de amigos bem grande.
Por que não substituir um bem por muito?
Isso é perfeito porque
um campinho sem uma turma grande não serve para nada. E uma turma grande sem
campinho não cabe em lugar nenhum que não seja um campinho. A gente passa o dia
todo jogando futebol e só para de jogar quando já está escuro e não dá mais para
ver a bola. Então já é hora de jantar.
não se consegue mais ver a bola
Depois do jantar, os
meus melhores amigos da turma vão para a casa do meu avô e a gente pode
continuar jogando, só que futebol de botão que não dá indigestão. Aí, a gente
pode jogar até tarde porque no dia seguinte não tem aula. É por isso que férias
é bom.
as férias são boas.
Teve um dia que eu fiz
um golaço. Não no futebol de botão, no de verdade.
O gol veio de um passe
de craque do Paulinho que é o meu melhor amigo (entre os meus melhores
amigos) da turma. Você sabe que para jogar futebol não adianta só ser bom
de bola. Tem que ter tatica.
O Paulinho driblou um,
dois e eu vi que ele ia passar pelo terceiro. Ele também me viu. Aí eu me
enfiei pela esquerda e recebi a bola.
Chutei direto. Eu fiz
um golaço tão grande que furou a rede e estilhaçou, em mil pedaços, a
janela do vizinho.
Adjunto adverbial
Deu a maior confusão
porque enquanto a turma pulava o vizinho apareceu bravo com abola em baixo do
braço e a mulher dele veio atrás. Eu tive até que parar com a minha
comemorassção. Mas a mulher do vizinho que veio atrás dele falou (para
ele) que criança é assim mesmo e que a gente estava só se divertindo e que
ninguém fez aquilo de propósito. E era verdade mesmo porque a culpa não foi nossa
da rede ter furado. E aí acabou ficando tudo bem. O meu vizinho devolveu a
bola, verificou a rede e disse que o meu gol foi mesmo um golaço, mas que era
para a gente tomar mais cuidado com as janelas da casa do lado.
Quanto e !
A professora não fez nenhum outro comentário
sobre o que eu tinha escrito. Para ela tanto fazia se o meu gol tinha sido um
golaço ou um frango do goleiro. Eu fiquei bem chateado. Ela tinha acabado com
as minhas férias. Isso significava que era a terceira vez que as minhas férias
acabavam numa semana só. Não podia existir nada pior do que isso na vida de um
garoto de 11 anos.
Mas existia.
Cinco
No final da aula a professora me chamou na
mesa dela. Eu tinha que fazer de lição para segunda-feira a análise sintática
da frase: “Eu fiz um golaço tão grande que até furou a rede e estilhaçou, em
mil pedaços, a janela do vizinho”.
Era o fim. As minhas férias já tinham virado
redação e agora acabavam de virar lição de casa. E uma lição dificílima. Fazer
análise sintática! Eu nem lembrava mais o que era isso.
Do jeito que as coisas vão, quando chegarem
as minhas próximas férias eu não vou saber se é para ficar feliz ou triste. Eu
vou falar “ah, não, férias me lembram redação e lição de casa” e ninguém
vai entender nada.
Então eu pensei que ainda bem que amanhã era
sábado. Eu já comecei a me lembrar que a turma do prédio tinha marcado pólo
aquático na piscina. Peguei a minha mochila e saí correndo para não perder o
ônibus para casa. Não me lembro se a professora continuou em sala ou não. Eu só
me lembro que eu fui o último a sair.
O fim de semana me fez esquecer da escola e
da primeira semana de aula, o que foi bom. O único detalhe é foi que eu também
acabei esquecendo da lição de português. E na segunda de manhã eu tive que
fazer tudo correndo quando cheguei na escola, antes de tocar o sinal.
Análise sintática já é uma coisa bem
complicada quando você tem que fazer o exercício logo depois que a professora
acabou de explicar como se faz. Imagina fazer depois das férias de verão quando
você mudou da quinta para a sexta série mas nem se lembra como é que passou de
ano.
Eu peguei o meu caderno e escrevi a minha frase.
Eu fiz um golaço tão grande que até furou a
rede e estilhaçou, em mil pedaços, a janela do vizinho.
Depois eu fui escrevendo o que eu me lembrava
que tinha que ter numa análise sintática.
Sujeito:
Predicado:
Objeto direto:
Objeto indireto:
Partícula apassivadora:
Isso era tudo o que eu me lembrava. Então eu
comecei a escrever do lado de cada coisa dessas uma análise sintática. Pus lá:
Sujeito: O meu
vizinho. Que é realmente um sujeito de meter medo apesar de eu achar que ele
deve ser legal porque está casado há um tempão com a mulher dele que é bem
legal.
Predicado: O
meu vizinho de novo. Isso, se a gente colocar no meio dessa palavra a sílaba JU
e então a palavra vira prejudicado porque ele foi mesmo o grande prejudicado
dessa história.
Objeto direto: A
bola. Nem precisa explicar por quê.
Objeto indireto: Eu.
Porque a janela quebrou em mil pedaços por causa do meu chute mas na verdade
foi culpa da rede que furou.
Partícula apassivadora: Essa
era a mulher do meu vizinho que apassivou a briga e se você reparar como ela é
pequena eu acho que partícula é o que ela é.
Pronto. Acabei a lição e o sinal nem tinha
tocado ainda. Fechei o meu caderno. Depois eu abri de novo. Lembrei de mais uma
coisa que tinha na análise sintática e escrevi:
Adjunto adverbial: em
mil pedaços.
No final da aula de português eu deixei a
minha lição na mesa da professora e fui para a minha aula dupla de educação
física.
Seis
Na minha aula dupla de português da
sexta-feira, a professora me entregou a análise sintática. Eu tirei zero e tive
que escrever toda essa história contando tudo isso que aconteceu para você. Ela
me disse que você é que ia decidir o que fazer comigo, porque você é o Diretor
dessa escola e ela não sabia que atitude tomar. Foi isso.
Assinado
Guilherme Pontes
Pereira
6a. série B – Manhã
No dia seguinte o Diretor me chamou na sala
dele. Ele já tinha lido toda a história que eu escrevi e eu já estava pensando
no que eu ia dizer para os meus pais quando ele me expulsasse da escola. Eu ia
dizer:
- Mãe, pai, fui expulso da escola.
Eu entrei na sala do Diretor e me sentei na
cadeira bem na frente dele. Quer dizer, na frente mais ou menos, porque era uma
daquelas cadeironas que a gente afunda dentro, então o porta-lápis, que ficava
na mesa do diretor, tapava a cara dele até o nariz. Mas ele chegou o
porta-lápis para o lado e eu consegui olhar para ele bem de frente. E ele
disse:
- Guilherme, eu fiquei muito impressionado
com a história que você escreveu. Você precisa fazer mais redações.
Então ele me mandou de volta para a sala de
aula.
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Interpretação textual
Após a leitura do texto, discuta com o colega as possíveis respostas para estas perguntas:
-> FIM
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